Entrevista com ANDRÉ BAHULE,

 em 29 de outubro de 2019, no Cinema Odeon, Rio de Janeiro,

Festival de Cinema Negro Zózimo Bubul

 

(entrevista realizada pelos bolsistas Cleiton Ferreira, Guilherme Rezende Machado, Filipe Umbelino Bulhões, do Projeto CinÁfrica, coordenado pela Profa. Carmen Tindó Secco)

 

ANDRÉ BAHULE: Eu sou André Bahule. Sou de Moçambique e sou um jovem cineasta. Estou cá num festival, o Encontro de Cinema Negro, o maior da América Latina, da África e fora da África. Estou feliz por estar cá, porque consegui, sendo um cineasta jovem, trazer a minha visão para o Brasil e para algumas pessoas que não são do Brasil, mas que estão presentes no festival.

Go tell the world about Mozambique, vou contar ao mundo o que é Moçambique. Estou a fazer isso agora. É muito interessante para mim, visto que, na produção de cinema moçambicano, temos cineastas de uma faixa etária que são controladores do cinema, pois criaram a carreira e estão a colher o que é deles. Mas, esse sistema de colher o que é deles e não abrir uma parte para a nova geração estar também em destaque em plataformas mais visíveis, para mim, torna o cinema uma coisa congelada. Em termos de minhas produções cinematográficas, procuro seguir o meu caminho.

Para mim, é muito interessante estar aqui hoje, porque isso mostra que, de uma determinada forma, está a haver mudanças. Muitos dos cineastas mais antigos do meu país têm apoios financeiros. Cinco mil reais para eles não é nada, é pouco. Vamos falar a realidade: cinema aqui no Brasil é outra coisa. Cinco mil reais é pouco para eles, mas, não para mim. Eu produzi por menos  de mil reais e filmei fora de Maputo. Não foi uma coisa fácil produzir uma obra tão grande quanto essa, digo grande, porque, para mim, é um  filmão, não é um filmizito, não é uma pequena coisa, é um grande filme que procura trazer uma reflexão sobre meu país e sobre o mundo. É muito interessante, depois de ver o filme, ver pessoas que choram, que se emocionam, que manifestam admiração, que subsidiam para o meu background. A experiência foi e continua a ser super positiva.

 

PERGUNTA: Agora eu gostaria de que você comentasse um pouco seu filme, como transcorreu a produção dele.

 

ANDRÉ BAHULE: É muito interesse a produção do meu filme. No princípio, eu criei o projeto, tentei compartilhar com meus colegas e eles não concordaram com o que eu planejei. Eles têm o direito deles, não concordando. Eu, por minha vez, disse: “Esse projeto eu vou levar até o fim”. E foi o primeiro projeto a ser escolhido, em primeiro lugar, dentre tantos outros projetos. Eu acreditei em mim e estou aqui. Se não fosse por isso, não estaria hoje nesse festival de cinema. Para mim, foi um pouco difícil conseguir profissionais que se entregassem de alma para trabalhar no meu projeto.

Gostaria também, depois, de fazer um filme sobre algumas pessoas que vivem na favela de Manguinhos. Fui lá visitar e me senti identificado com algumas características existentes em Moçambique. Então, gostaria de fazer um trabalho como este que fiz agora.

Para mim, é um orgulho saber que há jovens que estão a se formar dentro de Moçambique, que não estudaram em Cuba, nem na Espanha, nem em outros países da Europa. Estudar no estrangeiro cria um monopólio para os privilegiados que têm condições financeiras para viajar. Se  um brasileiro  for estudar na Alemanha, quando voltar ao Brasil passará a ter enorme prestígio. Entretanto, quem estuda em universidades no seu próprio país, ironicamente, é visto como alguém que parece não ter estudado. Como sou um nacionalista e pan-africanista, para mim  é muito importante ser formado dentro de Moçambique, pelo ISARC, o Instituto Superior de Arte e Cultura Moçambicano. Se  depender de mim, minhas formações posteriores também serão dentro da África. Mas, se puder vir para o Brasil, país que considero irmão, eu gostaria. Claro, se for uma oportunidade que estiver a aparecer, tenho que agarrar. Muitas pessoas em Moçambique, como Eduardo Mondlane, estudaram fora, porque precisaram, mas, hoje, não é tão necessário, porque Moçambique já tem escolas boas. Quantos brasileiros saem daqui para irem estudar na Universidade Eduardo Mondlane - UEM, na Universidade Politécnica, na Unizambeze?!!! Há várias universidades moçambicanas que oferecem uma boa educação. Então, para mim, não se justifica esse sonho de querer estudar fora de Moçambique ou fora de África.

É interessante haver projetos que alavanquem os jovens. Moçambique tem muitos jovens que nem são formados em cinema, mas entram no Youtube, pesquisam e estão a fazer filmes, bons filmes. Filmes sobre  Moçambique, sobre as culturas dos grupos étnicos locais, filmes que apresentam muita consciência. E essa consciência não é aquela que o sistema capitalista vende para ti, te obrigando  a consumir; é uma consciência que vem da mente, da inspiração, da raiz. E é isso que faço nos meus filmes.

 

PERGUNTA: Você falou dos jovens produzindo cinema. Eu gostaria de que você comentasse também um pouco sobre as novas tendências do cinema moçambicano, os caminhos que vêm tomando.

 

ANDRÉ BAHULE: Falando das tendências do cinema moçambicano hoje, há um impacto juvenil que vem crescendo em Moçambique. É muito interessante ver que, todo final de semana, tem um movimento forte de cinema que está a ser dirigido por jovens. Há um grupo de jovens que estudam arquitetura que defendem uma nova concepção de cinema. Segundo eles, não precisamos ir para o cinema para ver bons filmes. São jovens que levam os filmes e os projetam nas escadas, nas paredes de arquiteturas e  casas abandonadas em Maputo. Projetam filmes para pessoas sem teto, drogados que vivem ali, nesses prédios abandonados. Esse movimento de jovens procura trazer vida  a esses locais e estão a lutar para levarem cultura ao povo, buscando pôr o cinema moçambicano num ranking mundial.

Eu não gostaria de dizer: “isso é cinema africano”. Para mim, não existe cinema africano, cinema brasileiro. Existe cinema. Mas cada cinema tem uma linguagem ligada ao seu país, tem uma interpretação relacionada àquele sistema local, àquela raiz.

Para mim, é muito importante termos em Moçambique esse movimento juvenil que está a levar cinema e cultura à população marginalizada socialmente.

Eu, como jovem moçambicano negro, me orgulho de estar aqui a falar bem do meu país, porque Moçambique tem muita coisa boa. Tem muitas particularidades culturais, tem turismo. E esse cinema juvenil não luta somente para trazer uma concepção de cinema apenas como arte, está também preocupado em trazer o que há de bom no país, como o turismo, a cultura, a gastronomia, as línguas locais: changana, chopi, ronga, macua, nianja, etc. Todas essas coisas fazem esse cinema juvenil atual ter um movimento crescente e um impacto muito forte.

Muito obrigado. Khanimambo!

 

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