Entrevista com LARA SOUSA,

 em 29 de outubro de 2019, no Cinema Odeon, Rio de Janeiro,

Festival de Cinema Negro Zózimo Bubul

 LARA SOUSA: Eu sou a Lara Sousa, aprendiz de cineasta. Consigo me considerar cineasta, mas em lenta ascensão... (risos) Estou aqui, no Festival, com um filme que se chama Fin, que fiz em Cuba, quando estudava na Escola de Cinema. A Escola de Cinema de Cuba é muito prática, então nós tínhamos que fazer dois filmes por ano, dois curtas. Esse filme eu era obrigada a fazê-lo numa data muito específica. E eu tinha acabado de voltar de Lisboa, onde tinha estado com meus pais e meu pai, nessa ocasião, estava a ponto de morrer. Ele não está morto, sobreviveu. O filme acho que deu uma reviravolta. Então, eu não conseguia pensar em outra coisa senão na morte dele. A sua possível morte significava muito para mim estando em Cuba. Eu tinha ido para Havana estudar, principalmente por causa de uma ideologia muito forte transmitida por meus pais. Nesse momento que meu pai estava em uma situação limite, ele começou a duvidar de tudo o que me ensinara ao longo da vida. Por isso, foi um momento complicado ideologicamente para mim. O filme surgiu como um sonho-pesadelo de estar em Cuba, país que tem tanta relação com Moçambique, tanto em nível político, como imagético. A forma ensaio saiu um pouco naturalmente, como tentativa de juntar recortes daquilo que seria uma carta-despedida.

 

PERGUNTA: Qual é a importância da Escola de Cinema de Cuba para o cinema moçambicano e para você, principalmente?

LS: A Escola de Cinema é um ponto nostálgico da minha vida. Eu saí de Cuba faz um ano e meio. É uma escola muito boa, de uma excelência incrível. Apesar dos problemas que há em Cuba e das dificuldades econômicas que tem a escola de cinema, esta forma gente com um olhar muito criativo e crítico e com uma capacidade autoral grande. Hoje em dia, isso é raro. É uma escola que não forma só diretores, realizadores. Da mesma maneira que eu estudava direção, meu colega aprendia a usar a câmera e ele não era inferior a mim na hierarquia. Se ele dizia: “Lara, esta casa não dá para filmar porque a luz não não é suficiente”, eu não tinha autoridade para dizer nada, porque a gente era considerada igual. Foi muito bom estudar em um lugar de muito respeito por cada ofício do cinema e respeito por uma arte coletiva, por uma das únicas artes extremamente coletivas. Isso é uma coisa muito particular, principalmente, agora, nesta era super tecnológica, quando parece que a câmera toma o lugar do olho. É muito importante para Moçambique, para África, estudar cinema em Cuba, apesar de a escola cubana de cinema estar com muitos problemas econômicos. Lá não chegam muitos estudantes africanos, porque não conseguem bolsas de estudo. É uma escola que é barata, mas é cara para muitos africanos. Eu era a única africana, quando lá estudei. Agora, há outra africana, uma menina são tomense: Teodora Martins. Isso é um bom reflexo do que se passa no cinema na África.

P: E quais caminhos e tendências você vê o cinema moçambicano tomando daqui para frente?   

LS: É muito difícil dizer que existe um cinema moçambicano. Moçambique é um lugar onde se faz um filme por ano... É difícil de falar. Moçambique, durante muito tempo, produziu um cinema muito social, relacionado ao dinheiro das ONGs que havia para fazer filmes. Houve cineastas que tentaram aproveitar esse dinheiro institucional para fazer filmes autorais. Isso começou a ser complicado, porque compromete a estética, a ética. Agora as ONGs já deixaram de dar grana para fazer filmes. A gente está a tentar sair dessa prisão de produzir, na maioria das vezes, documentários. Ficção é outra coisa. Há um grande problema na nossa cinematografia que é a falta de formação do pessoal ligado ao cinema. Continua-se a se produzir cinema, mas é um cinema-documentário... Não é que falte rigor, porque não é uma questão de rigor, é uma questão de experimentação. Para a gente conseguir criar um pouco mais à frente do que aquilo que se criou anteriormente, é preciso ter uma formação muito potente. Dizendo isso, eu acho que a cinematografia moçambicana sempre foi feita por gente que não tinha formação específica. Ela tem muitas coisas bonitas, mas tem também vícios exatamente oriundos dos possíveis tiques esclerosados que um realizador pode ter. Por exemplo, eu, provavelmente, seria muito mais crítica em relação à questão da poesia, porque eu tive uma formação autoral para isso; poderia, portanto, apontar os vícios que surgissem. Acredito que o cinema em Moçambique vai crescer muito, principalmente porque vai chegando por várias vias, influências que vão sendo cada vez maiores para esses jovens cineastas entre os quais eu me incluo. Acho que, agora, é a gente tentar experimentar e desconstruir os documentários-clássicos e criar mais filmes autorais. Essa é a nossa função.

P: Gostaria de que você comentasse um pouco a importância dos festivais tanto para o cinema moçambicano quanto para o cinema brasileiro.

LS: Eu acho que o Festival de Cinema Negro Zózimo Bubul e o Centro Afro-Carioca são muito importantes no sentido de estabelecerem outros tipos de rede, privilegiando filmes africanos e latino-americanos que abordam problemas referentes ao negro e ao racismo. Há uma tendência, principalmente no circuito dos festivais, para que se consumam produtos africanos que já são previamente legitimados pela curadoria europeia. Ou seja, quem estreia, no Festival de Amsterdam, teve financiamento. Acho que há todo um processo de transformação de uma ideia em um produto aos moldes daquilo que as curadorias julgam ser preciso ver da África. Isso é complicado, porque é uma prisão muito grande. O Festival de Cinema Negro Zózimo Bubul é um espaço de muita liberdade para cineastas africanos que não costumam chegar a esses outros lugares dominados por curadorias europeias elitistas.

 

LS: Mais uma questão: quais são suas referências no cinema?

LS: Boa pergunta. Esse ano morreram tantos cineastas bons, que até dói. Uma das grandes referências é, sem dúvida, a Sara Gómez, cubana, por seu cinema no feminino que é uma coisa que me interessa. Gosto também do Jonas Mekas, que faz um cinema-ensaio, um cinema-poesia. Africanos há muitos, mas Abderrahmane Sissako, nascido na Mauritânia, e, talvez, o Inadelso Cossa, jovem cineasta de Moçambique, estão sendo, no momento, grandes referências para mim.

 

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